A wicca, cujo objetivo é reconstruir crenças paganistas e pré-cristãs, surgiu na Inglaterra em meados da década de 1950, criada por Gerald Gardner. Nascido em Blundellands, em 1884, Gardner visitou diversos locais da Europa e extremo Oriente devido a problemas de saúde e também devido a seus vários empregos.Gardner tinha por hobbie estudar as várias expressões mágico-religiosas, tanto orientais quanto os vestígios dos cultos pagãos europeus. Ele investiu no estudo da arqueologia e tornou-se um escritor e antropólogo amador, influenciado por várias correntes de expressões religiosas e de pensamento em alta ao longo do século XIX; eclético, ele
fundiu expressões mágico-ocultistas
que floresceram na Europa desde o século XVIII, como a releitura moderna da
cabala hebraica, uso de talismãs, símbolos e círculos mágicos de origem
hebraico-clássica, magia iniciatória, além da maçonaria e de ocultistas como
Aleister Crowley e as ordens esotéricas Golden Dawn e a O.T.O.
Além dessas referências, a wicca foi composta principalmente de elementos e resquícios do paganismo dos povos celtas e anglo-saxões, visto que estes habitavam a região da Grã-Bretanha desde a antiguidade, e mesmo após a cristianização romana da região, alguns elementos sobreviveram no folclore e crenças populares, mesclando toda uma série de traços culturais destas expressões religiosas e sociais. Gardner apropriou-se de muitos dos traços sobreviventes destes povos, e, sem analisar ou realizar uma crítica de suas fontes, “acabou fundindo aleatoriamente e sem nenhum critério histórico diversas práticas mágicas e religiosas de finalidade, contexto social e estruturas totalmente diferenciadas”.
A criação da wicca está, portanto, inserida em um contexto complexo de múltiplas relações. Gardner não foi influenciado apenas por expressões mágico-ocultistas do século XIX, ou por crenças transmitidas pelo folclore: ele baseava-se também em teses arqueológicas e antropológicas conhecidas durante o início da Idade Moderna, como o romantismo oitocentista de Michelet e a obra do antropólogo Frazer, O Ramo de Ouro, em seus 12 volumes publicados entre 1890-1941, nos quais o grande antropólogo evolucionista vitoriano “popularizou em descrições minuciosas os antigos cultos pré-cristãos de adoração à natureza, os sacrifícios e as concepções de natureza e religiosidade paganistas”.Gardner bebeu copiosamente também da obra da egiptóloga inglesa Margareth Murray – O culto das Bruxas da Europa Ocidental –em que a autora defendia “a sobrevivência de antigos cultos pré cristãos de adoração ao deus chifrudo e à grande deusa em plena Idade Média”,aos quais ela chamava de cultos da Bretanha pré-cristã, tratando da antiga crença dos druidas, sacerdotes do povo celta.
Com estas referências, principalmente a de Margareth Murray, Gardner passou a acreditar que estas práticas pré-cristãs nunca haviam sido extintas na Europa, e este não estaria reconstruindo estes cultos a partir de seus vestígios, estaria apenas os revivendo, isto é, revivendo uma Antiga Religião, como a wicca é chamada hoje. Luciana de Campos nos explica que: “A grande quantidade equivocada de leituras arqueológicas e antropológicas de Gardner o auxiliaram a criar um verdadeiro mosaico da origem dos cultos de bruxaria, encontrando supostos vestígios desde o Oriente e Ásia até a Europa antiga e Medieval”. Criando uma crença mesclada de varias crenças. Baseando-se nas crenças do povo celta, cuja base estaria em um deus e a uma deusa principais, Gardner passou a acreditar e perpetuar a idéia de que “o culto à Grande-Deusa e ao Deus-Chifrudo seria universal e constituiria a base da bruxaria em todo o mundo e em todas as épocas”.
Desde a pré-história, e levando em consideração outros traços da cultura celta, como,por exemplo, a igualdade entre os sexos, a importância da mulher, a adoração da natureza, e os festivais de colheita, Gardner moldou a wicca, e publicou obras como “A Feitiçaria hoje” onde este enfatiza o renascer de um culto pré-cristão, que ele chama de a velha religião na Inglaterra, e que passou a ganhar vários adeptos. E estes passaram a ter a idéia de participarem de fato, de uma religião pré-cristã que fora resgatada, ou ainda, de uma religião da antiguidade, que resistira até a modernidade, e assim, a idéia da wicca como continuidade das crenças antigas nasceu e se perpetuou pelos seguidores de Gadner, e dessa forma podemos entender o porquê de wiccanos modernos retornarem ao paleolítico e ao neolítico para contar a história da wicca.
Publicado em: CAMPIGNOTO, José Adilson & BENATTE, Antonio Paulo. Religião e Cultura: temáticas de história cultural das religiões. Guarapuava: Unicentro, 2013.
Texto completo disponível no link:
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