segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A Wicca e o Neopaganismo na História: Links úteis

Embora a bruxaria diabólica seja um tema recorrente na história, as expressões modernas que se auto-denominam como bruxaria e que nasceram após a vertente romântica do século XVIII possuem pouco de nossa atenção, principalmente no ambiente acadêmico.

Nesse sentido, e tendo em vista a minha própria dificuldade de um levantamento bibliográfico confiável para minhas pesquisas, realizei esta lista a quem possa interessar, com links de trabalhos de pesquisa acadêmica que se debruçam sobre o tema da bruxaria moderna, todos com uma pequena descrição para facilitar a vida de quem busca conhecimento sobre a área.

The Triumph of the moon - Ronald Hutton
Ronald Hutton é um historiador inglês e um dos primeiros a se preocupar com a história da bruxaria moderna, seu livro, publicado em 1999 pela Oxford University Press e conta a história da formação da Wicca no inicio do século XX.


Os Bruxos do Século XX: Neopaganismo e Invenção de Tradições na Inglaterra do Pós-Guerras - Janluis Duarte
Dissertação que foca o surgimento da Wicca a partir das obras de Gerald Gardner, a partir das influências do mesmo e apresentando um panorama de formação da religião.


Um Bruxo e seu tempo: as obras de Gerald Gardner como expressões contraculturais - Celso Luiz T. Filho
Dissertação que apresenta a formação da Wicca através das obras de Gerald Gardner, principalmente "Com o auxílio da alta magia"; "A Bruxaria hoje" e "O significado da bruxaria"


A Wicca no Brasil: adesão e permanência dos adeptos na região metropolitana do Recife - Karina Bezerra
Dissertação que apresenta motivos de adesão e permanência na Wicca através dos membros de Recife, apresentando também um contexto histórico da Wicca na Inglaterra e EUA.


Conhecendo a Wicca: princípios básicos e gerais - Karina Bezerra
Aborda os princípios básicos wiccanos, um breve resumo de sua história e as suas crenças. 


A Velha Religião: o discurso histórico de legitimação na Wicca - Celso Luiz T. Filho
Aborda a questão de legitimação da Wicca através do discurso histórico 


A institucionalização da Wicca: entrevista com Mavesper Cy Ceridwen  - Celso Luiz T. Filho
Aborda a questão da institucionalização da Wicca no Brasil através da IBWB (Igreja Brasileira de Wicca e Bruxaria) em entrevista com Mavesper, uma das fundadoras da Igreja.


Bruxas Modernas: um estudo sobre identidade feminina entre praticantes de wicca - Andréa Osóreo 
Apresenta as diferenças de gênero em pensamentos e práticas wiccanas.


A Recepção Literária na Invenção da Wicca: um panorama contextual - Pamella Camargo
Apresenta um contexto geral de formação da Wicca principalmente através de suas influências literárias.


Bruxas: Figuras de Poder - Paola Basso e Gomes Zordan 
apresenta um panorama geral da bruxaria desde o Malleus à obra romântica de Jules Michelet


O Poder feminino nas práticas da Wicca: uma análise do "Círculos de Mulheres" - Daniela Cordovil
Discute práticas e representações em torno do sagrado feminino através da cosmologia da Wicca.


Hipóteses da Recepção de La Sorcière na Wicca através da Estética da Recepção e Teoria do Efeito - Pamella Camargo
Aborda a recepção da obra La Sorcière do historiador Jules Michelet e sua influência da criação da Wicca.



Em breve mais links úteis para download 


sábado, 20 de agosto de 2016

A Roda do Ano

A Roda do Ano é parte integrante do sistema de crença wiccano, e o modelo seguido hoje por seus adeptos, nasceu de um longo processo de construção e sistematização em um contexto complexo de invenção de tradições que tem no nome de Sir James Frazer uma de suas principais influências. Frazer foi um antropólogo que em sua principal obra O Ramo de Ouro (The Golden Bough- 1992) criou a idéia de uma religião baseada na figura feminina e centrada na fertilidade como base de todas as religiões primitivas, Como Duarte nos diz:

A idéia central de Frazer era de que as antigas religiões eram cultos de fertilidade, baseados no culto de uma deusa da natureza e seu consorte, um rei-sagrado. O matrimonio entre a deusa e o rei-sagrado e o posterior sacrifício e renascimento deste, segundo Frazer, seria um mito central em praticamente todas as religiões.

É a partir desta obra, portanto, que se evidenciam os primeiros traços destas idéias que passam a ter certa repercussão. Mas as contribuições de Frazer não param ai, o mesmo, no cápitulo 62 de sua obra, nos descreve os “festivais de fogo”:

Por toda a Europa os camponeses acostumaram-se, desde tempos imemoriais, a ascender fogueiras em determinados dias do ano, e a dançar à sua volta ou pulá-las. 

Costumes desse tipo podem ser traçados em evidencias históricas desde a Idade Média, e sua analogia com costumes similares na antiguidade tem fortes evidencias internas que provam que sua origem deve ser buscada em um período muito anterior a disseminação da Cristandade. Na verdade, a mais antiga prova de sua observância na Europa Setentrional é fornecida pelas tentativas feitas pelos sínodos cristãos de desqualificá-los como ritos pagãos.

E ainda, posteriormente, Frazer nos descreve seis destes “festivais de fogo” dos quais dois seguiriam o calendário celta, representando as metades claras e escuras do ano - Beltane, a metade clara e Samhain - a metade escura- e os outros quatro representariam os equinócios e solstícios, sendo o propósito destes rituais: “(...) promover o crescimento das colheitas e o bem-estar dos homens e dos animais, tanto positivamente pela sua estimulação, quanto negativamente, por evitar os perigos e calamidades que os ameaçavam...”

Duarte complementa que é a partir de então que se “alude á morte do rei-divino como uma metáfora da sucessão das estações do ano e do ciclo do plantio e da colheita: o rei deve morrer ao demonstrar a perda de suas forças ou ao fim de um determinado período, justamente para garantir (ao “renascer” ou ser substituído) sua função de fecundador da natureza.” E também afirma ser a partir de então que se cria a idéia dos festivais celtas do inicio do verão e inverno como: “ligados à fertilidade dos homens e animais durante a estação quente, e a sua sobrevivência nos tempos de inverno...”

Mesmo sendo estes fatos afirmados por Frazer sem fundamentação histórica, o professor Hutton afirma inclusive que o propósito de Frazer com esta obra era de desacreditar o cristianismo mostrando que sua mitologia era decorrente das antigas idéias do paganismo, ela teve uma enorme repercussão. O que nos é relevante, é que estas mitologias e idéias do antropólogo foram muito populares, o que acabou na modernidade por uma sistematização destes festivais de fogo e desta mitologia em uma nova religião, que desde seu nascimento moderno afirma sua ancestralidade e que se auto- afirma como bruxaria. 

A Roda do Ano que vamos trabalhar é, portanto, uma sistematização moderna, e adaptada pela wicca como uma mitologia de sucessão temporal, e que engloba em si os oito grandes festivais solares e treze lunares festejados pela religião e que decorrem dessa sucessão. Os festivais lunares, chamados Esbats representam as treze luas cheias que ocorrem durante o ano, já os festivais solares, chamados de Sabaths ou Sabás, ocorrem nos solstícios de verão e inverno, nos equinócios de outono e primavera e nas épocas de transição entre estes. Deteremos-nos aqui nos festivais solares, que são: Samhain, mais conhecido como Halloween, que marca o inicio do ano, Yule, que representa o nascimento do deus, Imbolc, que representa o fogo em ascensão e marca o ritual da deusa Brigith, Ostara, ritual de fertilidade da deusa Eostre, Beltane, que representa o casamento divino, Litha, o ápice das forças solares, Lammas, a primeira colheita do ano e por fim Mabon, a segunda colheita do ano, e o fim simbólico da Roda que recomeça em Samhain.

A mitologia da Roda do Ano é complexa e pode parecer confusa, ela conta uma história cíclica, isto é, que não possui nem começo nem fim e sempre se repete, e nela estão três figuras principais, a Deusa, o Rei Azevinho e o Rei Carvalho, Janet e Stewart Farrar, em sua obra “Oito Sabás para Bruxas” refletem:

A figura do Deus-Sol, que domina os sabás menores dos solstícios e equinócios, é relativamente simples: seu ciclo pode ser observado mesmo através da janela de um apartamento de um elevado edifício. Ele morre e renasce no Natal; começa a fazer sentir sua jovem maturidade e a impregnar a Mãe-Terra com ela em torno do equinócio de primavera; fulgura do auge de sua glória no solstício de verão; resigna-se ao poder do quarto minguante sobre a Grande-Mãe por volta do equinócio de outono e novamente encara a morte e o renascimento na época de Natal.

Esta mitologia de morte e renascimento que engloba apenas os sabás menores, isso é, os solstícios e equinócios, diz respeito à decorrência das quatro estações do ano, o inverno quando o deus-sol nasce, a primavera quando cresce, o verão quando está no ápice, e o outono quando novamente morre para renascer no inverno. Em relação a esta parte mitológica da roda do ano não existe muita complexidade, entretanto esta se faz presente no restante da mitologia, Janet e Stewart continuam a nos explicar:

O tema da fertilidade natural é mais complexo. Envolve duas figuras divinas: o Deus do ano crescente (que aparece amiúde na mitologia como Rei Carvalho) e o Deus do ano minguante (o Rei Azevinho). São os gêmeos claro e escuro, cada um o “outro eu” do outro, rivais eternos que eternamente se conquistam e se sucedem mutuamente. Competem eternamente pelo favorecimento da Grande-Mãe e cada um, no pico de seu reinado semestral, é sacrificialmente unido a ela, morre em seu amplexo e é ressucitado a fim de completar seu reinado. (...) Esse tema, na realidade, trasborda nos sabás menores do Natal e do solstício de verão. No Natal, o Rei Azevinho encerra seu reinado e cede ao Rei Carvalho; no solstício de verão, Rei Carvalho, por sua vez, é desalojado pelo Rei Azevinho.

Tanto Rei Carvalho, quanto Rei Azevinho são, na wicca, representações simbólicas do Deus Cornudo, o consorte da Deusa e que com ela forma o casal divino, como os Farrar complementam, ele é “(...) o Rei Carvalho e o Rei Azevinho, os gêmeos complementares vistos como uma entidade completa.” E que em conjunto com uma grande-mãe formaria a base dos cultos pagãos de bruxaria moderna. Esta idéia foi apregoada principalmente por Margaret Murray em suas obras: O culto das bruxas na Europa ocidental e O deus das feiticeiras, a autora, muito influenciada por Frazer, cria a idéia da bruxaria como um rito de fertilidade primitivo que datava do neolítico e cuja base estaria em um deus de chifres, Duarte nos explica:

(...) ela não seria uma religião centrada numa Grande-Mãe, ao contrário do postulado por Frazer, mas sim baseada no culto a um deus de chifres – Dianus- em cuja figura a Igreja teria baseado a imagem do diabo. Este seria representado pelos adeptos por um Rei-Divino, que se sacrificaria periodicamente. Com a perseguição movida pelo cristianismo, o culto teria se tornado secreto, sendo mantido na obscuridade por seus praticantes durante toda a Idade Média, até ser exposto e combatido pela inquisição (...).

Nas palavras da própria autora, podemos identificar um dos momentos em que esta visão de continuidade de uma crença primitiva fica evidente:

Bruxaria Cerimonial – ou, como eu sugiro, o Culto Diânico, que acolhe as crenças religiosas e os rituais das pessoas conhecidas na época medieval como “Bruxas”. As evidencias mostram que abaixo da religião cristã havia um culto praticado por muitas classes da comunidade, principalmente pelos mais ignorantes ou aqueles das partes menos populosas do país, que pode ser considerado uma antiga religião Europa Ocidental na época pré-cristã.

Essa visão, além de ter sido a responsável por criar na wicca a idéia de sua origem primitiva, cria uma relação identitária com a feitiçaria e bruxaria e, inclusive, com as bruxas mortas durante a inquisição, e dessa forma ao “renascer” desta “antiga religião” a palavra bruxa foi adotada por seus membros, característica que permanece até a atualidade, independendo da inverossimilhança das obras de Murray, que se baseou em relatos inquisitoriais, boa parte sob tortura, para provar sua tese. Em grande parte foi a autora também que construiu a idéia de uma religião incompreendida e julgada: “Os outros ritos, os banquetes e as festas mostravam que se tratava de uma religião alegre e incompreendida pelos inquisidores e reformistas melancólicos que a reprimiam”.

Nos voltando então para o mito em si, compreendemos que a figura do deus é dividida em dois aspectos – rei azevinho e rei carvalho - para montar a lógica da mitologia da roda do ano, que como vimos é um ciclo de morte e renascimento simbólicos para a compreensão das estações do ano, o Rei Azevinho simboliza a parte do ano escura, o outono e o inverno e o Rei Carvalho a parte clara, a primavera e o verão, um nasce no solstício de inverno para reinar a primavera e o verão e o outro nasce no solstício de verão para reinar o outono e inverno.

E assim, uma possível interpretação seria que a mitologia tem seu fim e inicio em Samhain, a transição de outono para inverno, o Rei Azevinho termina seu recolhimento na morte e vai para o mundo dos mortos, que é representado pelo ventre da própria Deusa, lá se transmuta na criança da promessa que nasce em Yule. A Deusa em seu aspecto de Ceifeira se recolhe a ele em seu retiro, o que representa sua descida ao reino das sombras.

Em Yule, o solstício de inverno, nasce à Criança da Promessa, que estava sendo gerada desde Beltane, sob a face de Rei Carvalho. Ocorre então o metafórico destronamento do Rei Azevinho e sua substituição pelo Rei Carvalho, simbolizando o início da metade crescente do ano.

Imbolc, a transição entre inverno e primavera, representa o crescimento da criança da promessa, são os primeiros impulsos de luz depois do inverno, também representa a Deusa que após passar por sua época de Mãe em Yule logo retorna ao seu aspecto de Virgem, como criança, para crescer com o Deus, comemorada nesta época sobre a face de Brigith que representa o fogo em ascensão. Em Ostara, o equinócio de primavera, quando dias e noites possuem a mesma duração, é representado o amadurecimento do Rei Carvalho, que adulto já equilibrou a luz e as trevas. Também representa a fertilidade tanto do Deus, que adulto já pode se reproduzir, quanto da Deusa, que em seu aspecto de virgem cresceu e agora desfruta de sua primeira menstruação, tornando-se fértil.

Em Beltane, a transição de primavera e verão, o Deus e a Deusa férteis se encontram e desfrutam do amor e do prazer, este ritual de fertilidade representa a união ou casamento divino, quando o Rei Carvalho se entrega a Deusa, (representando um sacrifício simbólico), pois essa entrega é necessária para que a deusa engravide e carregue em seu útero a Criança da Promessa - que (re) nasce em Yule -.

Ocorre então Litha, o solstício de verão, o ápice do reinado do Rei Carvalho e das forças solares, e quando este é transmutado em Rei Azevinho, o deus do ano minguante, (morte metafórica do Rei Carvalho que é destronado pela Deus Azevinho, representando o final do ano crescente – verão – e inicio do ano minguante – inverno-). 

Em Lammas, a transição entre verão e outono, ocorrem as primeiras colheitas do ano. É quando o Deus, na face de Rei Azevinho, encarnado nas colheitas, morre simbolicamente (no próprio ato de ceifar) e ressurge a fim de gerar alimento na forma de cereais que foram colhidos. Representa o crescimento do estágio minguante do ano, pois os dias estão se encurtando cada vez mais e os primeiros impulsos de trevas depois do Verão se fazem presentes. E também representa a Deusa que, passando novamente por sua face de Mãe, mas agora como a Mãe dos Cereais, torna-se a Ceifeira, que ajuda a colher os grãos e aceita sua maturidade e velhice.

Por fim chega Mabon, o equinócio de Outono, quando o Rei Azevinho equilibra luz e trevas, e começa seu processo de recolhimento e preparação para a morte, que se efetiva em Samhain que é o fim e o inicio do ano.

Este pode ser uma das formas de entender esta mitologia, entretanto o casal Farrar nos adverte:

(...) a colocação da união sacrificial e do renascimento do Rei Carvalho e do Rei azevinho em Bealtaine e Lughnasadh, respectivamente pode parecer um pouco arbitraria. Pelo fato deste ciclo ser de fertilidade, o real espaçamento de seu ritmo varia de região para região; e isso naturalmente porque os calendários de um sítio na região montanhosa da Escócia e de uma vinicula italiana, por exemplo, não mantêm perfeita correspondência entre si. Os dois sacrifícios aparecem em tempos variados na primavera e no outono, de maneira que, ao conceber um ciclo coerente de sabás, era mister fazer uma escolha. Bealtaine parecia a escolha obvia para a união do Rei Carvalho; mas a do Rei Azevinho (mesmo nos limitando aos sabás maiores, como se afigurava adequado) podia ser ou Lughnasadh, ou Samhain (...)

O casal Farrar opta por Lughnasadh, sendo o Rei Azevinho a personificação o Rei cereal, que como vimos ao se sacrificar gera as primeiras colheitas do ano. Eles demonstram sua escolha no diagrama anexo (página ).

Independente das diferenças, escolhas e inverossimilhanças é esta a lógica que dá sentido aos festivais praticados na bruxaria moderna, tendo em mente que esta, mesmo com toda influencia de Frazer e Murray é uma sistematização moderna, e mesmo sob influência de alguns traços do paganismo antigo só pode existir no contexto que a criou, o século XX.

Texto completo pelo Link:


Referências:

CUNNINGHAN, Scott. Guia essencial da bruxa solitária. São Paulo: Gaia, 1998. 

DUARTE, Janluis. Os Bruxos do século XX: Neopaganismo e Invenção de Tradições na Inglaterra do Pós Guerras. Brasília. 2008. 

FRAZER, Sir James G. The Golden Bough: a Study in Magic and Religion. London: McMillan & Co., 1992 

FARRAR, Janet & Steward. Eigth Sabbats for Witches. Trad. Edson Bini. São Paulo: Anúbis, 1983 

HIGGINBOTHAM. Joyce & River. Paganismo: uma introdução da religião centrada na terra. Trad. Ana Carolina Trevisan Camilo. São Paulo: Madras, 2003. 

HUTTON, Ronald. The Triumph of the Moon: a history of modern pagan witchcraft. New York: Oxford University Press, 1999. 

MURRAY, Margaret. O culto das bruxas na Europa Ocidental. Trad. Getúlio Elias Schanoski Júnior. São Paulo: Madras, 2003. 

PRIETO, Claudiney. Wicca para todos. [s. l.]: [s. e.], 2009. 

SOUSA, Fátima Nogueira Gonçalves de. Dança e suas Manifestações Culturais. In: BRINCAR,

JOGAR, VIVER: Programa Esporte e Lazer da Cidade - Volume I - nº 01 (Janeiro/2007).

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Wicca: Identidade e Anacronismo

A wicca, cujo objetivo é reconstruir crenças paganistas e pré-cristãs, surgiu na Inglaterra em meados da década de 1950, criada por Gerald Gardner. Nascido em Blundellands, em 1884, Gardner visitou diversos locais da Europa e extremo Oriente devido a problemas de saúde e também devido a seus vários empregos.Gardner tinha por hobbie estudar as várias expressões mágico-religiosas, tanto orientais quanto os vestígios dos cultos pagãos europeus. Ele investiu no estudo da arqueologia e tornou-se um escritor e antropólogo amador, influenciado por várias correntes de expressões religiosas e de pensamento em alta ao longo do século XIX; eclético, ele

fundiu expressões mágico-ocultistas que floresceram na Europa desde o século XVIII, como a releitura moderna da cabala hebraica, uso de talismãs, símbolos e círculos mágicos de origem hebraico-clássica, magia iniciatória, além da maçonaria e de ocultistas como Aleister Crowley e as ordens esotéricas Golden Dawn e a O.T.O.

Além dessas referências, a wicca foi composta principalmente de elementos e resquícios do paganismo dos povos celtas e anglo-saxões, visto que estes habitavam a região da Grã-Bretanha desde a antiguidade, e mesmo após a cristianização romana da região, alguns elementos sobreviveram no folclore e crenças populares, mesclando toda uma série de traços culturais destas expressões religiosas e sociais. Gardner apropriou-se de muitos dos traços sobreviventes destes povos, e, sem analisar ou realizar uma crítica de suas fontes, “acabou fundindo aleatoriamente e sem nenhum critério histórico diversas práticas mágicas e religiosas de finalidade, contexto social e estruturas totalmente diferenciadas”.

A criação da wicca está, portanto, inserida em um contexto complexo de múltiplas relações. Gardner não foi influenciado apenas por expressões mágico-ocultistas do século XIX, ou por crenças transmitidas pelo folclore: ele baseava-se também em teses arqueológicas e antropológicas conhecidas durante o início da Idade Moderna, como o romantismo oitocentista de Michelet e a obra do antropólogo Frazer, O Ramo de Ouro, em seus 12 volumes publicados entre 1890-1941, nos quais o grande antropólogo evolucionista vitoriano “popularizou em descrições minuciosas os antigos cultos pré-cristãos de adoração à natureza, os sacrifícios e as concepções de natureza e religiosidade paganistas”.Gardner bebeu copiosamente também da obra da egiptóloga inglesa Margareth Murray – O culto das Bruxas da Europa Ocidental –em que a autora defendia “a sobrevivência de antigos cultos pré cristãos de adoração ao deus chifrudo e à grande deusa em plena Idade Média”,aos quais ela chamava de cultos da Bretanha pré-cristã, tratando da antiga crença dos druidas, sacerdotes do povo celta.

Com estas referências, principalmente a de Margareth Murray, Gardner passou a acreditar que estas práticas pré-cristãs nunca haviam sido extintas na Europa, e este não estaria reconstruindo estes cultos a partir de seus vestígios, estaria apenas os revivendo, isto é, revivendo uma Antiga Religião, como a wicca é chamada hoje. Luciana de Campos nos explica que: “A grande quantidade equivocada de leituras arqueológicas e antropológicas de Gardner o auxiliaram a criar um verdadeiro mosaico da origem dos cultos de bruxaria, encontrando supostos vestígios desde o Oriente e Ásia até a Europa antiga e Medieval”. Criando uma crença mesclada de varias crenças. Baseando-se nas crenças do povo celta, cuja base estaria em um deus e a uma deusa principais, Gardner passou a acreditar e perpetuar a idéia de que “o culto à Grande-Deusa e ao Deus-Chifrudo seria universal e constituiria a base da bruxaria em todo o mundo e em todas as épocas”. 

Desde a pré-história, e levando em consideração outros traços da cultura celta, como,por exemplo, a igualdade entre os sexos, a importância da mulher, a adoração da natureza, e os festivais de colheita, Gardner moldou a wicca, e publicou obras como “A Feitiçaria hoje” onde este enfatiza o renascer de um culto pré-cristão, que ele chama de a velha religião na Inglaterra, e que passou a ganhar vários adeptos. E estes passaram a ter a idéia de participarem de fato, de uma religião pré-cristã que fora resgatada, ou ainda, de uma religião da antiguidade, que resistira até a modernidade, e assim, a idéia da wicca como continuidade das crenças antigas nasceu e se perpetuou pelos seguidores de Gadner, e dessa forma podemos entender o porquê de wiccanos modernos retornarem ao paleolítico e ao neolítico para contar a história da wicca.

Publicado em: CAMPIGNOTO, José Adilson & BENATTE, Antonio Paulo. Religião e Cultura: temáticas de história cultural das religiões. Guarapuava: Unicentro, 2013.

Texto completo disponível no link: 


Referências:

ALVES, Rubem Azevedo. O que é religião. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BARROS, José D’assunção. O campo da História. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 2010.
BURKE, Peter. As fortunas d'O Cortesão. A recepção européia a O Cortesão de Castiglione. Trad. AlvaroHattnher. São Paulo: Ed. da Unesp, 1997.
CAMPOS, Luciana de; LANGER, Johnni. The Wiker Man: Reflexões sobre a Wicca e o neo-paganismo. Fênix:Revista de História e Estudos Culturais, v. 4, ano IV, n. 2, abr./mai./jun. 2007.
CARDINI, Franco. Magia e Bruxaria na Idade Média e no Renascimento. Trad. Sylvia Leser de Mello. Psicologia USP, v. 7, n.1/2, p.9-16,1996.
CARDOSO, Ciro Flamarion. História das religiões. In: Um historiador fala de teoria e metodologia: ensaios. Bauru: Edusc, 2005.
CARDOSO, Ciro Flamarion. O paganismo anglo saxão: uma síntese crítica. Bhatrair, 4 (1), 2004.
DUARTE, Jean.A Wicca: uma religião do novo milênio.2003.Disponível em:http://www.janduarte.com.br/artigos/wicca_novo_milenio.pdf.
ELGEL, Micaela. As bruxas do Brasil: Curso de wicca para brasileiros.  Apostila disponível no endereço eletrônico: http://www.angelfire.com. Acessado em 05/01/12.
ELIADE, Mircea. Tratado de história das religiões.Trad. Natália Nunes e Fernando Tomaz. Lisboa. Editora Cosmos, 1977.
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
 HIGGINBOTHAM. Joyce & River. Paganismo: uma introdução da religião centrada na terra. Trad. Ana Carolina Trevisan Camilo.São Paulo: Madras, 2003.
MURRAY, Margareth. O culto das bruxas na Europa Ocidental. Trad. Getúlio Elias Schanoski Júnior. São Paulo: Madras, 2003.
NOGUEIRA, Carlos Roberto F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru: Edusc, 2000.
PAGELS, Elaine. As Origens de Satanás: Um estudo sobre o poder que as forças irracionais exercem na sociedade moderna. Trad. Ruy Jungmann. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
PRIETO, Claudiney. Wicca para todos. [s. l.]: [s. e.], 2009.
N/A. Bruxos de verdade. Revista de História da Biblioteca Nacional. Dossiê Feitiçaria. Rio de Janeiro, n. X, mai. 2010.
Site pessoal de Claudiney Prieto: Wicca na Web, disponível em:http://www.wiccanaweb.com.br
THOR, Tamina. Tarô mágico das bruxas. Rio de janeiro:Pallas, 2005. 


Transposição e hibridização de sistemas culturais pagãos em religiosidades contemporâneas: o caso dos wiccans

Mesclado às várias crenças religiosas brasileiras, o paganismo – seja politeísta, naturalista ou animista - tem ganhado espaço e novos adeptos, confrontando uma realidade majoritariamente cristã e monoteísta. Pelo viés histórico-antropológico, é perceptível que essas culturas pagãs são “resgatadas” de hierofanias já decadentes ou extintas, transpondo elementos desses sistemas de crenças, práticas e valores à contemporaneidade. Esse processo de apropriação engendra novas crenças, práticas e valores, mediante a ressignificação e a recepção ativa de sistemas já declinados, criando-se dessa forma novos sistemas religiosos. Historicamente, esse processo poderia ser considerado de certa forma anacrônico, pois se extraem de uma cultura traços, símbolos e mitos, os quais, transportados para uma cultura temporal e espacialmente diferente, permitem a criação ou invenção de correspondências entre a cultura doadora e a receptora. Entretanto, culturalmente e antropologicamente, a partir do momento em que esses traços são aceitos e incorporados em uma nova cultura, estes passam a fazer parte integrante dela, portanto, passam a ser pertencentes àquele novo sistema religioso.

Esse processo cultural pode ser percebido, hoje, pelos praticantes da bruxaria moderna, denominada de Wicca. Essa crença aceita uma grande quantidade distinta de panteões de deuses e deusas de antigas crenças extintas, principalmente celtas. Os praticantes dessa religiosidade afirmam ser esta umaprática pré-cristã, por isso a denominam de “Antiga Religião”. Historicamente, sabemos ser impossível que estas crenças antigas e cultos camponeses relacionados principalmente à colheita, tenham se mantidos intactos após a Inquisição; portando, o que é hoje chamado wicca é uma reinterpretação dos vestígios de cultos antigos, já mesclados e com  influências cristãs e modificados pelo processo inquisitorial, o que não torna esta uma prática irrelevante para percebermos traços de nossa cultura atual.

Com um método focado na história oral, na história das religiões e das religiões comparadas, buscamos entender esses pequenos traços culturais atuais/atualizados, mediante os quais seus adeptos buscam no passado respostas para o presente, em uma espécie (em uma escala menor, é claro) de renascimento politeísta, questionando assim o sistema evolucionista “darwiniano” animismo-politeísmo-monoteísmo, reintroduzindo no campo religioso crenças já extintas e muitas vezes consideradas primitivas.Outro aspecto importante da pesquisa diz respeito aos veículos que permitem essa transposição, os meios pelos quais se tornam públicos os conhecimentos desses cultos antigos e como estes legitimam e naturalizam essas extintas hierofanias em novos sistemas culturais-religiosos que passam a novamente a serem aceitos e suprir necessidades religiosas atuais de um segmento crescente de pessoas. Como essas antigas crenças têm penetrado e incorporado nosso sistema cultural? Como opera esse modo de recepção? E porque elas têm ganhado tanto espaço na sociedade contemporânea? Tais são as questões que movem esta pesquisa histórico-antropológica. 

Trabalho completo disponível pelo link:



quinta-feira, 18 de agosto de 2016

A Recepção Literária na Invenção da Wicca: um panorama contextual

No contexto entre-guerras, o afloramento da contracultura, movimentos nacionalistas e literários, se fez acompanhar, na Inglaterra, pelo inicio de nova religião. A Wicca, esta nova expressão religiosa, centrada na bruxaria e no paganismo, se revelou profundamente marcada pelo contexto histórico de seu surgimento. No presente estudo busca-se analisar este complexo contexto, buscando compreender as características desta religião a partir de suas diversas influências, sejam estas contraculturais, literárias ou antropológicas.

A tradição neopagã da Wicca, objeto deste estudo, pode ser definida como uma religião de Mistérios e veneração à natureza com suas crenças, práticas e profunda filosofia centrada no Paganismo (Prieto, 2009, p.8). É uma crença mágico-religiosa, isto é, acredita na magia, possui uma estrutura baseada na adoração a um Casal Divino, a Deusa e o Deus; não é proselitista, isto é, não busca novos membros nem possui pregação, assim como não possui um templo específico, embora seja uma religião já oficializada nos Estados Unidos da América.

Jean Duarte, em sua dissertação de mestrado, nos dá alguns números relevantes a serem analisados: mais de 400 mil praticantes de neopaganismo, mais de 350 festivais neopagãos anuais e pelo menos 5000 websites destinados ao assunto. Estes números foram retirados da obra da jornalista americana Morgot Adler, Drawing Down the Moon, e diz respeito apenas aos Estados Unidos em 2006. Duarte afirma ainda que o neopaganismo, mesmo sendo umas das religiões que mais se expande, é uma das manifestações religiosas menos estudadas pelos pesquisadores acadêmicos (DUARTE, 2003, p.4). Estes dados são um reflexo de um campo ainda pouco explorado historicamente e que urge conhecer, pois a história do neopaganismo como manifestação religiosa ainda é repleta de lacunas tanto para a história tanto para os próprios praticantes.

Entender a Wicca através de seu contexto histórico foi o maior objetivo para a realização deste trabalho, realizado como teste como conclusão de curso ao final da graduação em história. 
Este trabalho foi publicado na Revista Ateliê de História e pode ser acessado pelo link:

http://revistas2.uepg.br/index.php/ahu/article/view/8071/4784

Ou pelo 4share através do link:

http://www.4shared.com/web/preview/pdf/1CIX0d5rce?